12.05.22
Helielthon Manganeli Publicado por: Helielthon Manganeli

Indícios de inconstitucionalidade no novo MÍNIMO DIVISOR

Indícios de inconstitucionalidade no novo MÍNIMO DIVISOR

Leitura aproximada: 7 minutos

O novo mínimo divisor de 108 meses, criado pela Lei 14.331/22, com vigência a partir de 05/05/2022, está provocando grandes alterações no cálculo da RMI das aposentadorias. Vamos entender o que aconteceu?

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SUMÁRIO

1. Introdução

2. Mínimo divisor: não esqueci de você!

3. Extinção do cálculo da contribuição única

4. Parcial alteração da regra de descartes do art. 26, § 6º, da EC 103/19 com indícios de inconstitucionalidade

5. Conclusão

6. Fontes

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1. INTRODUÇÃO 

Nesse artigo, vamos analisar a alteração provocada pela Lei 14.331/22 no cálculo da RMI da aposentadorias por meio de aspectos constitucionais e legais.

Quem me conhece, sabe que jamais vou defender a injustiça, porém temos procedimentos para realizar as alterações das normas, as quais não foram respeitadas pela referida lei ordinária.

Vem comigo! 👊

 

2. MÍNIMO DIVISOR: NÃO ESQUECI DE VOCÊ!

O mínimo divisor é um elemento do cálculo previdenciário que reduz consideravelmente o valor da média dos salários de contribuição, dos benefícios dos segurados que possuem poucos salários de contribuição dentro do período básico de cálculo (PBC), que previa a utilização do divisor mínimo de 60% (sessenta por cento) do período decorrido entre julho de 1994 até a data do início do benefício (DIB). 

Ele surgiu em 29/11/1999, com a pulicação da Lei 9.876/99:

Art. 3º, § 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1º não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo.

Essa regra é aplicável apenas aqueles segurados filiados ao regime geral de previdência social (RGPS) até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/99.

Percebe-se que o divisor mínimo era aplicável apenas na aposentadoria por idade, na aposentadoria por tempo de contribuição e na aposentadoria especial, porém a incidência maior sempre foi na aposentadoria por idade, onde o segurado precisava de apenas 180 contribuições mensais para obter o direito ao benefício (além da idade é claro!).

Com isso, o divisor para apurar a média dos salários de contribuição, nunca poderia ser menor que 60% do período básico de cálculo, afetando diretamente as aposentadorias com poucos salários de contribuição após julho de 1994.

Talvez entendemos melhor com um exemplo:

Em 01/10/2018, o segurado possuía 65 anos de idade e 20 anos de tempo de contribuição, com 15 anos de tempo de contribuição antes de julho de 1994 e 5 anos de tempo de contribuição a partir julho de 1994. Portanto ele tería apenas 60 salários de contribuição (5 anos de TC) dentro do período básico de cálculo (PBC) de 292 meses, onde 60% corresponde a 175 meses.
Nessa hipótese, os 60 salários de contribuição seriam somados e depois divididos pelo divisor mínimo de 175 meses, reduzindo drásticamente a média dos salários de contribuição, refletindo diretamente na renda mensal inicial do benefício.

O divisor mínimo foi extinto com a nossa sistemática de cálculos prevista no art. 26, da EC 103/19:

Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. 

Assim, a partir da publicação da EC 103 (13/11/19), deixou de se aplicar o mínimo divisor na média do salários de contribuição dos benefícios mencionados.

No entanto, o divisor mínimo retornou em 05/05/2022, com a publicação da Lei 14.331/22, que incluiu o art. 135-A, na Lei 8.213/99:

Art. 135-A. Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.

Esse novo divisor mínimo é válido apenas para os filiados à Previdência Social até julho de 1994 e será de 108 meses, independente do tempo decorrido no período básico de cálculo (PBC), será aplicado nas aposentadorias do regime geral de previdência social, exceto na aposentadoria por incapacidade permanente.

É lógico que a história vai se repetir, teremos maior incidência do novo mínimo divisor nas aposentadorias por idade, onde o tempo de contribuição exigido é de 15 anos.

E o grande motivo do retorno do mínimo divisor é o popular "milagre da contribuição única", que prefiro chamar de cálculo da contribuição única, pois de milagre não tem nada.

 

3. EXTINÇÃO DO CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO ÚNICA

Esse cálculo surgiu com a promulgação da reforma da previdência (EC 103/19), que afastou o divisor mínimo da média dos salário de contribuição e, embora o nome seja "cálculo da contribuição única", sabemos que seria impossível o segurado aposentar-se com uma única contribuição. Explico!

A nova sistemática de cálculo da EC 103/19, favorecia o segurado que pretendia aposentar-se por idade e havia vertido muitas contribuições em período anterior a julho de 1994, em regra 14 anos e 11 meses ou mais, assim poderia verter uma única contribuição no teto do INSS e ter a sua média dos salários de contribuição no teto, justamente porque a memória de cálculo do benefício utilizaria apenas essa última contribuição no período básico de cálculo de julho de 1994 até a data do início do benefício, sem divisor mínimo.

A partir de então, nós previdenciaristas, percebemos que era questão de tempo para o regresso do mínimo divisor, em razão do desequilíbrio provocado por essa regra que poderia premiar com uma renda mensal inicial acima de R$ 4.000,00 (em 2022) para segurados que a vida toda contribuíram no valor de um salário mínimo e, mais recentemente, verteram um única contribuição no teto.

Essa metodologia de cálculo, sem o mínimo divisor, pode ser realizada entre 13/11/2019 a 04/05/2022, inclusive deve ser respeitado o direito adquirido, por força do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

Todavia, se antes do cálculos da contribuição única era favorável ao segurado, agora, o novo mínimo diviso, aparece com indícios de inconstitucionalidade no cálculo de descartes do previsto no art. 26, § 6º, da EC 103/19. Veremos a seguir:

Não deixe de assistir nosso vídeo sobre o cálculo da contribuição única:

 

 

4. PARCIAL ALTERAÇÃO DA REGRA DE DESCARTES DO ART. 26, § 6º, da EC 103/19 COM INDÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE

O art. 26, § 6º, da EC 103/19 prevê:

Art. 26, § 6º Poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade, inclusive para o acréscimo a que se referem os §§ 2º e 5º, para a averbação em outro regime previdenciário ou para a obtenção dos proventos de inatividade das atividades de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal.

Segundo o citado dispositivo, o segurado poderia descartar da média os salários de contribuição que reduzem o valor do benefício, mantendo o tempo de contribuição mínimo exigido.

Contudo, a aplicação do novo mínimo divisor de 108 meses, do art. 135-A, da Lei 8.213/91, poderia contrariar o disposto no art. 26, § 6º, da EC 103/19, visto que a limitação a 108 salários de contribuição, em muitos casos, representaria a proibição de descartes até o tempo de contribuição mínimo exigido.

Exemplo:

Imaginamos 3 casos idênticos que poderão ter resultados diferentes:

1. Aposentadoria por idade, onde o segurado (homem) tem 20 anos de tempo de contribuição, com todo tempo de contribuição após julho de 1994. Não haverá incidência do mínimo divisor, portanto o cálculo estaria respeitando a regra do art. 26, § 6º, da EC 103/19, podendo descartar até o limite de 15 anos de tempo de contribuição, apurando o melhor benefício ao segurado.

2. Aposentadoria por idade, onde o segurado (homem) tem 20 anos de tempo de contribuição, sendo 10 anos (120 meses) antes de julho de 1994 e 10 anos (120 meses) após julho de 1994. Haverá incidência do mínimo divisor e o segurado poderá descartar apenas 12 salários de contribuição, vez que, embora possua 240 salários de contribuição, tem apenas 120 salários de contribuição no período básico de cálculo a partir de julho de 1994. Nessa hipótese, o segurado manteria 19 anos de tempo de contribuição após descarttar 12 salários de contribuição, não respeitando a regra do art. 26, § 6º, da EC 103/19.

3. Aposentadoria por idade, onde o segurado (homem) tem 20 anos de tempo de contribuição, sendo 15 anos (180 meses) antes de julho de 1994 e 5 anos (60 meses) a partir de julho de 1994. Haverá incidência do mínimo divisor onde o segurado não poderá descartar salários de contribuição, não respeitando a regra do art. 26, § 6º, da EC 103/19, e ainda deverá somar os 60 salários de contribuição e dividir por 108 meses, reduzindo drásticamente na média dos salários de contribuição.

Os casos apresentados são idênticos, isto é, aposentadoria por idade com 20 anos de tempo de contribuição, porém o período do salário de contribuição influenciará no descarte e no cálculo da média dos salários dos salários de contribuição, com a incidência ou não do novo mínimo divisor de 108 meses, infringindo o princípio da isonomia.

Além do mais, a parcial alteração da regra constitucional de descartes, prevista no art. 26, § 6º, da EC 103/19, realizada por lei ordinária (Lei 14.331/22), está afrontando a supremacia hierárquica da normas constitucionais, sendo passível de declaração de inconstitucionalidade formal.

 

5. CONCLUSÃO

De fato, o novo mínimo divisor já nasceu com indícios de inconstitucionalidade, talvez faltou ao legislador um melhor estudo do caso para resolver o problema com uma solução muito mais simples que parece.

Por que não utilizar todos os salários de contribuição, inclusive anteriores a julho de 1994, na média do salário de contribuição, respeitando o princípio da isonomia?    

Por que não utilizar uma emenda constitucional para realizar a alteração, respeitando os procedimentos de criação de norma e a supremacia hierárquica da normas constitucionais?

Infelizmente, não sabemos se a falha se deu por falta de planejamento, por pressa ou por falta de conhecimento, mas sabemos que é questão de tempo para o Judiciário começar a receber as primeiras demandas revisionais sobre o tema abordado.

Deixe seu comentário sobre o assunto! 😉

 

6. FONTES

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019

LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991

LEI No 9.876, DE 26 DE NOVEMBRO DE 1999

LEI Nº 14.331, DE 4 DE MAIO DE 2022

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Helielthon Manganeli Publicado por: Helielthon Manganeli em 12/05/22

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